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[Designers do Brasil]: A invenção do Nordeste segundo o estúdio Mula Preta

Publicado em
30.7.2022

Fiéis à sua história e raízes, os potiguares André Gurgel e Felipe Bezerra rompem estereótipos no design nacional com produtos que aliam fabulação, inventividade e ousadia

Por Simões Neto

Sempre tive a impressão de que "liberdade" é a palavra que mais representa o Mula Preta, estúdio de design de produto, criado no Rio Grande do Norte, com flagship em São Paulo, e presente em importantes capitais brasileiras. Confirmei esse conceito lendo as respostas para cada pergunta que permeia esta entrevista. Tudo flui e essa espontaneidade vem do que a marca significa, os seus valores, as raízes sólidas nas quais foram criadas e mais: a originalidade nordestina que está inserida em tudo,  sobretudo em um design para ver, sentir, usar e se deliciar.

“Acho que o elemento mais marcante na nossa criação é tentar representar o nordeste globalizado, irreverente e sofisticado. Até por isso o desenho da nossa flagship tem esse ar moderno, podendo estar em qualquer lugar do mundo sem perder a essência. Nossa raiz é muito forte, muito própria, e é nossa interpretação de como nós somos o que é o Nordeste”, adianta o designer André Gurgel que, unido ao arquiteto Felipe Bezerra, criou o Mula Preta, nome que homenageia a música de Luiz Gonzaga, cantor-ícone nordestino. Mais raiz, impossível.

O que você lerá daqui pra frente é uma aula de belo desenho, de consistência nas ideias, de liberdade de criação e de estratégia sobre negócios, porque, como definiu André Gurgel, “antes de mais nada nós somos empresários - metade de nós é artista e a outra metade é business”. Portanto, deleite-se.

EXPO REVESTIR: Vocês lançaram recentemente a mesa de poker Montecarlo e já tem em seu portfólio outros trabalhos nos quais o entretenimento é o viés. Quando surgiram essas ideias de flertar com o lazer e jogos? Pergunto porque conheço poucos designers brasileiros que trabalham com esse conceito, que vão além das poltronas e mesas.

MULA PRETA: Surgiu de maneira muito espontânea. A primeira das peças de jogos foi o pebolim, que desenvolvemos para um amigo nosso, em Natal, que tem uma academia. Em uma reunião estávamos desenvolvendo um projeto juntos e falamos sobre ter uma peça que chamasse a atenção, que tivesse destaque com materiais diferentes, e pensamos em fazer o pebolim. No início ninguém acreditou muito que daria certo, pela mistura de materiais, por ter vidro e acrílico, mas quando fizemos o protótipo funcionou e a usabilidade ficou muito boa, além da durabilidade, pois já está há muito tempo na academia e funcionando muito bem.

O fato de ela ter chamado muita atenção inclusive para o nosso Estúdio, desde o momento que nós fizemos, e por curiosidade, se tornou um best-seller, não só aqui na loja em São Paulo, mas em todas as lojas que revendem nossos produtos. Acredito que tenha sido a faísca inicial para a gente desenvolver todos os outros jogos que entraram para nossa coleção.

Em seguida desenvolvemos a sinuca, mas sempre com um apelo muito forte para a estética e o conceito e a maioria deles com a dualidade de funções. A sinuca por exemplo, pode ser usada como uma mesa de jantar apenas com a colocação do tampo.

A ping-pong, por exemplo, que veio antes da sinuca, tem a mesma função de virar mesa de jantar quando se tira a rede. Ela possui um desenho bem impactante, característico no nosso estúdio.

Depois surgiu a mesa de xadrez Cambito, que lançamos na Semana de Design de São Paulo do ano passado, e que fez um sucesso enorme. Aproveitamos o gancho da série chamada “Gambito da rainha”, e fizemos uma brincadeira com as pernas finas da mesa e a chamamos de Cambito, desenhamos até as peças.

E esse ano lançamos a mesa de Poker Montecarlo, que também tem a dupla função de virar uma mesa redonda, com compartimento secreto, para armazenamento das fichas. E o legal é que ela é flutuante. Toda a base é feita num metacrilato moldado, dando a sensação de um disco voador flutuante.

Realmente a gente acabou entrando para esse nicho de jogos e se tornou uma das características importantes do nosso trabalho.

EXPO REVESTIR: De 2012 a 2022: são dez anos de Mula Preta. O que vocês percebem que mais mudou nesses dez anos quando se trata de amadurecimento no desenho da dupla?

MULA PRETA: Antes de mais nada nós somos empresários. Costumamos brincar que metade de nós é artista e a outra metade é business.

Mesmo que tenhamos criado há 10 anos a Mula Preta como negócio paralelo, como uma maneira de exacerbar nossos hobbies e passear por uma área que não tínhamos tanto contato, tudo que a gente se envolve tem um teor de desenvolver algo ou algum negócio. Então ao longo dessa década passamos a aprender como a indústria funciona, como criar um elemento e um branding que fizesse sentido. Aprendemos também ao longo desse tempo que a fidelidade com sua história tem um valor que não dá para mensurar e também como usar diversos materiais distintos e aplicar isso da forma mais inteligente para o conceito do nosso estúdio.

Amadurecemos muito de entendimento da indústria, sobre posicionamento de marca, branding, e pilares de todos os setores que estão envolvidos no universo do design, seja no varejo, no atacado ou indústria. Como conversar com o público final, como entender o desejo do consumidor, a ergonomia, acabamentos e como é importante a tradução da sua história para essa empreitada de desenvolvimento de marca.

EXPO REVESTIR: Alguma comemoração em vista para celebrar os 10 anos, como livro...?

MULA PRETA: Para festejar essa primeira década, já estamos rascunhando livros e entendendo como fazer uma coletânea dos últimos 10 anos. Acho que esse ano não devemos lançar nada, mas provavelmente o próximo aproveitaremos o momento especial para fazer um evento na loja e até lançar peças que a gente já vem desenhando.

EXPO REVESTIR: O Felipe é da década de 1970 e o André é da geração seguinte. Ambos são nordestinos. Como foi acertar o passo na diferença de gerações e de pensamentos?

MULA PRETA: O que nos uniu, apesar da diferença de geração, foi o design, o desejo de fazer algo e o apreço e paixão por essa arte. O que é bom não tem idade, então sempre nos inspiramos, absorvemos e bebemos da fonte dos melhores designers. Isso é uma característica em comum, além da personalidade. Ambos são brincalhões, essa coisa da irreverência é muito forte, principalmente no lado pessoal, então a idade não tem barreira quando há uma ligação que se torna forte pelos interesses e própria amizade que se forma.

E o legal disso é que eu, André, absorvo de uma geração diferente e enxergo as coisas de uma forma diferente, apesar de beber de fontes que o Felipe também bebe, ele já tem inspirações e vivências de outras épocas e elementos de outras coisas do cotidiano, da juventude, e o legal disso é que o leque fica muito mais extenso. Vamos de algo muito moderno, atual, até um Kichute, por exemplo, que não é da minha época, mas que foi muito presente na vida do Felipe. Então conseguimos passear por todos esses momentos e o leque se torna mais amplo ainda, por esse motivo.

EXPO REVESTIR: Acredito que ser nordestino faz toda a diferença no trabalho do Mula Preta, até porque o nome surge da música do Gonzagão, mais originalidade: impossível. Quais os pontos fortes que essas referências agregam no trabalho de vocês?

MULA PRETA: A escolha do nome é o elemento central, pelo fato de caracterizar muito rapidamente o nosso estúdio, um nome que você não esquece. Sempre falamos disso, em uma lista de designers, você vê o nome Mula Preta e já se pergunta quem são esses malucos. Rsrs. Possivelmente a pessoa terá curiosidade em pesquisar.

Acho que o elemento mais marcante nosso é tentar representar o nordeste globalizado, irreverente e sofisticado. Até por isso o desenho da nossa flagship tem esse ar moderno, podendo estar em qualquer lugar do mundo sem perder a essência. Nossa raiz é muito forte, muito própria, e é nossa interpretação do que é o Nordeste e como nós somos.

Já viajamos muito e absorvemos muita coisa do mundo e a nossa personalidade é traduzida no nosso trabalho, seja pela leveza ou irreverência do nosso Nordeste. Gonzagão é uma figura que é um ícone e tem uma representatividade muito grande para nós, e por isso nossa homenagem é diária de uma forma muito elegante.

EXPO REVESTIR: Como funciona criar em dupla? Quem gosta mais de que? Vocês pensam no produto juntos ou cada um no seu quadrado (se sim, qual é o quadrado de cada um)?

MULA PRETA: É muito dinâmico, as vezes estamos no avião, em uma viagem e concebemos algum produto. As vezes sentamos para desenvolver em conjunto, muitas vezes nasce de um e os dois interagem para melhorar.

Mas o mais importante é que não há ego, todos os desenhos nascem pela Mula Preta, independentemente de ser André ou Felipe, nossa marca é mais importante. E por não ter essa briga de egos, conseguimos elevar muito o nível do desenho. A recepção de qualquer mudança de um desenho para o outro, seja de André para Felipe ou de Felipe para André, é muito válida.

Temos consciência de que tudo que a gente fala e sugere é sempre para melhorar, então ao longo desses 10 anos praticamente não tivemos discussões maléficas para o nosso negócio e desenho. Exatamente porque temos em vista um escopo muito maior, tanto para o desenho, quanto para o design.

EXPO REVESTIR: A criação de vocês é constante, intensa, quente e vibrante. Esse vigor na criação vem de quais referências? Por onde andam as inspirações do Mula Preta?

MULA PRETA: O principal motor de propulsão dessas ideias é a paixão pelo design, acho que nós compartilhamos muito disso, é uma coisa comum entre nós, colecionamos design, absorvemos design constantemente, viajamos para ver design e arquitetura, então talvez a grande diferença seja o nosso background, as nossas raízes nordestinas.

Nossa personalidade irreverente por natureza, faz com que tudo que a gente crie seja muito próprio da nossa marca. Já criamos uma identidade disso tudo, então quando todas essas características estão alinhadas é muito mais fluido e fácil desenvolver o trabalho em conjunto, podemos brincar e ousar tendo em vista sempre o escopo de marca como um todo, as inspirações são as mais diversas, a grande diferença é como interpretamos e traduzimos esse alinhamento de características, tornando nossa linguagem única.

EXPO REVESTIR: Dos prêmios que vocês já receberam, quais os que causaram mais impacto na carreira? Aquele que faz com que descubram que estão no caminho certo e sem volta?

MULA PRETA: Os primeiros são os mais importantes. Imagina dois aventureiros tentando ingressar no mundo do design por pura paixão, fora do eixo consumidor e produtor, lá no Rio Grande do Norte. No A’ Design Award, fomos receber o Platinum, prêmio máximo da premiação. E estar naquele mundo, respirar e conhecer outros designers e receber convites naquela época para expor em Paris, Milão, até na China, foi o divisor de águas.

E foi uma decisão muito acertada de participar desses prêmios. Talvez uma estratégia inconsciente que funcionou muito bem. Basquete, Duna, Serpentina, foram os mais importantes e gostamos de afirmar isso sempre, até hoje.

EXPO REVESTIR: André, você acabou de ser pai. O que muda na vida de um designer quando ele se depara com uma experiência tão forte e rica que é a paternidade?

MULA PRETA: Pois é, incrível! Meu “filhotinho” tem um ano e sete meses e já mudou completamente minha vida e da minha esposa. É mágico! O universo passa a girar em torno daquele pequeno ser e todo amor do mundo que você pensava que não existia está ali, uma coisa meio inexplicável.

É interessante para um designer, porque assim que minha mulher ficou grávida eu já comecei a pensar em berço, cadeiras miniaturizadas etc. E é bacana, porque hoje em dia a gente até enxerga o design de uma forma diferente e passa inclusive a conhecer alguns designers que trabalham nesse mundo infantil, design de brinquedos, e isso é muito bacana.

E o legal é que pude viver uma experiência dupla na chegada do meu filho, já que a loja foi montada na mesma época, se tornando meu outro filho, com quase a mesma idade. Como uma gestação, que a gente constrói para lançar.

A realidade é que a vida de qualquer ser humano muda completamente com a chegada de um filho e você passa a enxergar a coisas de uma forma diferente, além de querer sempre ser melhor que ontem. De alguma maneira quero deixar um legado para meu filho e isso é fundamental, tenho certeza que me ajudará a chegar mais longe.

EXPO REVESTIR: O que o Mula Preta morre de vontade de realizar em termos de criação e que ainda não fez? Existe algum projeto que vocês fizeram tudo: pensaram, discutiram, desenharam, mas na hora de executar houve algum problema técnico que não foi possível resolver e o projeto foi engavetado?

MULA PRETA: Na área de mobiliário temos ampliado nosso leque cada vez mais, inclusive lançamos recentemente uma linha de área externa, que tem uma série de por menores de materialidade, como o fato de usar alumínio, madeira e espuma especial etc. Temos diversos outros projetos que são mais complexos, até meio escultóricos, que não tiramos do papel ainda por não ter a tecnologia suficiente, como uma injeção plástica muito específica, por exemplo.

Tudo isso faz com que tenhamos desenhos já engavetados que vão ser desenvolvidos ao longo do tempo. Por enquanto tudo que fizemos fomos muito felizes nas decisões e escolhas do conceito que desenvolvemos e tem um leque grande de coisas que precisamos explorar, então o caminho está aberto.

EXPO REVESTIR: Qual a fase mais tensa de um projeto?

MULA PRETA: Para mim, André, a fase mais tensa é quando transformamos uma ideia digital, um conceito que vai do sketch para o digital, até a transformação para o real, porque na vida real tudo é diferente. O 3D não tem gravidade, é muito mais fácil de conceber uma série de coisas, mas quando tentamos produzir, fazer o primeiro protótipo, é sempre mais tenso, pois fico numa expectativa enorme do que vai acontecer.

As vezes acertamos tanto, que qualquer modificação do protótipo fica muito melhor que o real, mas muitas vezes à partir dali criamos todos os ajustes, porque na vida real os ângulos que enxergamos, no universo tridimensional que a gente vive tem outra conotação visual e apelo estético.

EXPO REVESTIR: Acabamento: se não for impecável, o Mula Preta pira (rs)?

MULA PRETA: É uma busca constante nossa, internamente a gente pira, porque tem horas que a indústria não consegue atingir o que almejamos e o acabamento diz muito sobre a peça, sobre a maneira como ela é percebida. O nosso desenho tem um valor agregado muito alto, o fato de ter até mesmo a complexidade de formas muitas vezes e ter um conceito muito forte por traz, faz com que busquemos sempre um resultado 100%, até mais, mas não ficamos malucos se não chegamos nesse patamar. Claro que para extrair o resultado máximo, se não nos esforçarmos fora da zona de conforto, até levar a indústria para fora da zona de conforto, não evoluímos, afinal de contas o sucesso é um reflexo de um trabalho constante de anos e anos em busca da evolução.

EXPO REVESTIR: Futuro: o que esperar da produção e do alcance do Mula Preta? Quais os planos que estão engatilhados?

MULA PRETA: O último movimento que fizemos foi abrir a flagship em São Paulo e para isso tivemos que remodelar o nosso modelo de negócio. Antes apenas desenhávamos para as indústrias com propriedade intelectual e recebíamos royalties por isso. Atualmente, o nosso negócio funciona de uma forma diferente, temos uma flagship e a concentração dos produtos e a visualização da marca é maior que da indústria, e andamos em paralelo desenvolvendo esse trabalho de maneira muito sólida. De mais de noventa lojas que vendiam pontualmente nossos produtos, hoje temos quinze parceiros exclusivos com espaços Mula Preta no Brasil, e visamos chegar nos vinte, vinte e cinco nos próximos anos. De certa forma é um pedacinho do que a gente faz aqui reverberado em algumas principais capitais do Brasil e isso é muito importante para nós.

Acho que um passo futuro vai ser explorar o mercado externo, entender como seria a exportação, aprimorar mais o desenho, passar a conviver muito mais ativamente com a indústria, pensar no futuro de como seria isso, até se pudéssemos controlar um pouco dessa produção de maneira mais próxima. Entãom a médio prazo, seria ampliar nosso horizonte de visualização de marca, ampliar nosso portfólio. Já conseguimos um leque grande de produtos, mas ampliar um pouco mais, até pelo relacionamento mais estrito hoje, tendo loja com cliente final. Sabemos a necessidade disso.

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30/7/2022

Fiéis à sua história e raízes, os potiguares André Gurgel e Felipe Bezerra rompem estereótipos no design nacional com produtos que aliam fabulação, inventividade e ousadia

Por Simões Neto

Sempre tive a impressão de que "liberdade" é a palavra que mais representa o Mula Preta, estúdio de design de produto, criado no Rio Grande do Norte, com flagship em São Paulo, e presente em importantes capitais brasileiras. Confirmei esse conceito lendo as respostas para cada pergunta que permeia esta entrevista. Tudo flui e essa espontaneidade vem do que a marca significa, os seus valores, as raízes sólidas nas quais foram criadas e mais: a originalidade nordestina que está inserida em tudo,  sobretudo em um design para ver, sentir, usar e se deliciar.

“Acho que o elemento mais marcante na nossa criação é tentar representar o nordeste globalizado, irreverente e sofisticado. Até por isso o desenho da nossa flagship tem esse ar moderno, podendo estar em qualquer lugar do mundo sem perder a essência. Nossa raiz é muito forte, muito própria, e é nossa interpretação de como nós somos o que é o Nordeste”, adianta o designer André Gurgel que, unido ao arquiteto Felipe Bezerra, criou o Mula Preta, nome que homenageia a música de Luiz Gonzaga, cantor-ícone nordestino. Mais raiz, impossível.

O que você lerá daqui pra frente é uma aula de belo desenho, de consistência nas ideias, de liberdade de criação e de estratégia sobre negócios, porque, como definiu André Gurgel, “antes de mais nada nós somos empresários - metade de nós é artista e a outra metade é business”. Portanto, deleite-se.

EXPO REVESTIR: Vocês lançaram recentemente a mesa de poker Montecarlo e já tem em seu portfólio outros trabalhos nos quais o entretenimento é o viés. Quando surgiram essas ideias de flertar com o lazer e jogos? Pergunto porque conheço poucos designers brasileiros que trabalham com esse conceito, que vão além das poltronas e mesas.

MULA PRETA: Surgiu de maneira muito espontânea. A primeira das peças de jogos foi o pebolim, que desenvolvemos para um amigo nosso, em Natal, que tem uma academia. Em uma reunião estávamos desenvolvendo um projeto juntos e falamos sobre ter uma peça que chamasse a atenção, que tivesse destaque com materiais diferentes, e pensamos em fazer o pebolim. No início ninguém acreditou muito que daria certo, pela mistura de materiais, por ter vidro e acrílico, mas quando fizemos o protótipo funcionou e a usabilidade ficou muito boa, além da durabilidade, pois já está há muito tempo na academia e funcionando muito bem.

O fato de ela ter chamado muita atenção inclusive para o nosso Estúdio, desde o momento que nós fizemos, e por curiosidade, se tornou um best-seller, não só aqui na loja em São Paulo, mas em todas as lojas que revendem nossos produtos. Acredito que tenha sido a faísca inicial para a gente desenvolver todos os outros jogos que entraram para nossa coleção.

Em seguida desenvolvemos a sinuca, mas sempre com um apelo muito forte para a estética e o conceito e a maioria deles com a dualidade de funções. A sinuca por exemplo, pode ser usada como uma mesa de jantar apenas com a colocação do tampo.

A ping-pong, por exemplo, que veio antes da sinuca, tem a mesma função de virar mesa de jantar quando se tira a rede. Ela possui um desenho bem impactante, característico no nosso estúdio.

Depois surgiu a mesa de xadrez Cambito, que lançamos na Semana de Design de São Paulo do ano passado, e que fez um sucesso enorme. Aproveitamos o gancho da série chamada “Gambito da rainha”, e fizemos uma brincadeira com as pernas finas da mesa e a chamamos de Cambito, desenhamos até as peças.

E esse ano lançamos a mesa de Poker Montecarlo, que também tem a dupla função de virar uma mesa redonda, com compartimento secreto, para armazenamento das fichas. E o legal é que ela é flutuante. Toda a base é feita num metacrilato moldado, dando a sensação de um disco voador flutuante.

Realmente a gente acabou entrando para esse nicho de jogos e se tornou uma das características importantes do nosso trabalho.

EXPO REVESTIR: De 2012 a 2022: são dez anos de Mula Preta. O que vocês percebem que mais mudou nesses dez anos quando se trata de amadurecimento no desenho da dupla?

MULA PRETA: Antes de mais nada nós somos empresários. Costumamos brincar que metade de nós é artista e a outra metade é business.

Mesmo que tenhamos criado há 10 anos a Mula Preta como negócio paralelo, como uma maneira de exacerbar nossos hobbies e passear por uma área que não tínhamos tanto contato, tudo que a gente se envolve tem um teor de desenvolver algo ou algum negócio. Então ao longo dessa década passamos a aprender como a indústria funciona, como criar um elemento e um branding que fizesse sentido. Aprendemos também ao longo desse tempo que a fidelidade com sua história tem um valor que não dá para mensurar e também como usar diversos materiais distintos e aplicar isso da forma mais inteligente para o conceito do nosso estúdio.

Amadurecemos muito de entendimento da indústria, sobre posicionamento de marca, branding, e pilares de todos os setores que estão envolvidos no universo do design, seja no varejo, no atacado ou indústria. Como conversar com o público final, como entender o desejo do consumidor, a ergonomia, acabamentos e como é importante a tradução da sua história para essa empreitada de desenvolvimento de marca.

EXPO REVESTIR: Alguma comemoração em vista para celebrar os 10 anos, como livro...?

MULA PRETA: Para festejar essa primeira década, já estamos rascunhando livros e entendendo como fazer uma coletânea dos últimos 10 anos. Acho que esse ano não devemos lançar nada, mas provavelmente o próximo aproveitaremos o momento especial para fazer um evento na loja e até lançar peças que a gente já vem desenhando.

EXPO REVESTIR: O Felipe é da década de 1970 e o André é da geração seguinte. Ambos são nordestinos. Como foi acertar o passo na diferença de gerações e de pensamentos?

MULA PRETA: O que nos uniu, apesar da diferença de geração, foi o design, o desejo de fazer algo e o apreço e paixão por essa arte. O que é bom não tem idade, então sempre nos inspiramos, absorvemos e bebemos da fonte dos melhores designers. Isso é uma característica em comum, além da personalidade. Ambos são brincalhões, essa coisa da irreverência é muito forte, principalmente no lado pessoal, então a idade não tem barreira quando há uma ligação que se torna forte pelos interesses e própria amizade que se forma.

E o legal disso é que eu, André, absorvo de uma geração diferente e enxergo as coisas de uma forma diferente, apesar de beber de fontes que o Felipe também bebe, ele já tem inspirações e vivências de outras épocas e elementos de outras coisas do cotidiano, da juventude, e o legal disso é que o leque fica muito mais extenso. Vamos de algo muito moderno, atual, até um Kichute, por exemplo, que não é da minha época, mas que foi muito presente na vida do Felipe. Então conseguimos passear por todos esses momentos e o leque se torna mais amplo ainda, por esse motivo.

EXPO REVESTIR: Acredito que ser nordestino faz toda a diferença no trabalho do Mula Preta, até porque o nome surge da música do Gonzagão, mais originalidade: impossível. Quais os pontos fortes que essas referências agregam no trabalho de vocês?

MULA PRETA: A escolha do nome é o elemento central, pelo fato de caracterizar muito rapidamente o nosso estúdio, um nome que você não esquece. Sempre falamos disso, em uma lista de designers, você vê o nome Mula Preta e já se pergunta quem são esses malucos. Rsrs. Possivelmente a pessoa terá curiosidade em pesquisar.

Acho que o elemento mais marcante nosso é tentar representar o nordeste globalizado, irreverente e sofisticado. Até por isso o desenho da nossa flagship tem esse ar moderno, podendo estar em qualquer lugar do mundo sem perder a essência. Nossa raiz é muito forte, muito própria, e é nossa interpretação do que é o Nordeste e como nós somos.

Já viajamos muito e absorvemos muita coisa do mundo e a nossa personalidade é traduzida no nosso trabalho, seja pela leveza ou irreverência do nosso Nordeste. Gonzagão é uma figura que é um ícone e tem uma representatividade muito grande para nós, e por isso nossa homenagem é diária de uma forma muito elegante.

EXPO REVESTIR: Como funciona criar em dupla? Quem gosta mais de que? Vocês pensam no produto juntos ou cada um no seu quadrado (se sim, qual é o quadrado de cada um)?

MULA PRETA: É muito dinâmico, as vezes estamos no avião, em uma viagem e concebemos algum produto. As vezes sentamos para desenvolver em conjunto, muitas vezes nasce de um e os dois interagem para melhorar.

Mas o mais importante é que não há ego, todos os desenhos nascem pela Mula Preta, independentemente de ser André ou Felipe, nossa marca é mais importante. E por não ter essa briga de egos, conseguimos elevar muito o nível do desenho. A recepção de qualquer mudança de um desenho para o outro, seja de André para Felipe ou de Felipe para André, é muito válida.

Temos consciência de que tudo que a gente fala e sugere é sempre para melhorar, então ao longo desses 10 anos praticamente não tivemos discussões maléficas para o nosso negócio e desenho. Exatamente porque temos em vista um escopo muito maior, tanto para o desenho, quanto para o design.

EXPO REVESTIR: A criação de vocês é constante, intensa, quente e vibrante. Esse vigor na criação vem de quais referências? Por onde andam as inspirações do Mula Preta?

MULA PRETA: O principal motor de propulsão dessas ideias é a paixão pelo design, acho que nós compartilhamos muito disso, é uma coisa comum entre nós, colecionamos design, absorvemos design constantemente, viajamos para ver design e arquitetura, então talvez a grande diferença seja o nosso background, as nossas raízes nordestinas.

Nossa personalidade irreverente por natureza, faz com que tudo que a gente crie seja muito próprio da nossa marca. Já criamos uma identidade disso tudo, então quando todas essas características estão alinhadas é muito mais fluido e fácil desenvolver o trabalho em conjunto, podemos brincar e ousar tendo em vista sempre o escopo de marca como um todo, as inspirações são as mais diversas, a grande diferença é como interpretamos e traduzimos esse alinhamento de características, tornando nossa linguagem única.

EXPO REVESTIR: Dos prêmios que vocês já receberam, quais os que causaram mais impacto na carreira? Aquele que faz com que descubram que estão no caminho certo e sem volta?

MULA PRETA: Os primeiros são os mais importantes. Imagina dois aventureiros tentando ingressar no mundo do design por pura paixão, fora do eixo consumidor e produtor, lá no Rio Grande do Norte. No A’ Design Award, fomos receber o Platinum, prêmio máximo da premiação. E estar naquele mundo, respirar e conhecer outros designers e receber convites naquela época para expor em Paris, Milão, até na China, foi o divisor de águas.

E foi uma decisão muito acertada de participar desses prêmios. Talvez uma estratégia inconsciente que funcionou muito bem. Basquete, Duna, Serpentina, foram os mais importantes e gostamos de afirmar isso sempre, até hoje.

EXPO REVESTIR: André, você acabou de ser pai. O que muda na vida de um designer quando ele se depara com uma experiência tão forte e rica que é a paternidade?

MULA PRETA: Pois é, incrível! Meu “filhotinho” tem um ano e sete meses e já mudou completamente minha vida e da minha esposa. É mágico! O universo passa a girar em torno daquele pequeno ser e todo amor do mundo que você pensava que não existia está ali, uma coisa meio inexplicável.

É interessante para um designer, porque assim que minha mulher ficou grávida eu já comecei a pensar em berço, cadeiras miniaturizadas etc. E é bacana, porque hoje em dia a gente até enxerga o design de uma forma diferente e passa inclusive a conhecer alguns designers que trabalham nesse mundo infantil, design de brinquedos, e isso é muito bacana.

E o legal é que pude viver uma experiência dupla na chegada do meu filho, já que a loja foi montada na mesma época, se tornando meu outro filho, com quase a mesma idade. Como uma gestação, que a gente constrói para lançar.

A realidade é que a vida de qualquer ser humano muda completamente com a chegada de um filho e você passa a enxergar a coisas de uma forma diferente, além de querer sempre ser melhor que ontem. De alguma maneira quero deixar um legado para meu filho e isso é fundamental, tenho certeza que me ajudará a chegar mais longe.

EXPO REVESTIR: O que o Mula Preta morre de vontade de realizar em termos de criação e que ainda não fez? Existe algum projeto que vocês fizeram tudo: pensaram, discutiram, desenharam, mas na hora de executar houve algum problema técnico que não foi possível resolver e o projeto foi engavetado?

MULA PRETA: Na área de mobiliário temos ampliado nosso leque cada vez mais, inclusive lançamos recentemente uma linha de área externa, que tem uma série de por menores de materialidade, como o fato de usar alumínio, madeira e espuma especial etc. Temos diversos outros projetos que são mais complexos, até meio escultóricos, que não tiramos do papel ainda por não ter a tecnologia suficiente, como uma injeção plástica muito específica, por exemplo.

Tudo isso faz com que tenhamos desenhos já engavetados que vão ser desenvolvidos ao longo do tempo. Por enquanto tudo que fizemos fomos muito felizes nas decisões e escolhas do conceito que desenvolvemos e tem um leque grande de coisas que precisamos explorar, então o caminho está aberto.

EXPO REVESTIR: Qual a fase mais tensa de um projeto?

MULA PRETA: Para mim, André, a fase mais tensa é quando transformamos uma ideia digital, um conceito que vai do sketch para o digital, até a transformação para o real, porque na vida real tudo é diferente. O 3D não tem gravidade, é muito mais fácil de conceber uma série de coisas, mas quando tentamos produzir, fazer o primeiro protótipo, é sempre mais tenso, pois fico numa expectativa enorme do que vai acontecer.

As vezes acertamos tanto, que qualquer modificação do protótipo fica muito melhor que o real, mas muitas vezes à partir dali criamos todos os ajustes, porque na vida real os ângulos que enxergamos, no universo tridimensional que a gente vive tem outra conotação visual e apelo estético.

EXPO REVESTIR: Acabamento: se não for impecável, o Mula Preta pira (rs)?

MULA PRETA: É uma busca constante nossa, internamente a gente pira, porque tem horas que a indústria não consegue atingir o que almejamos e o acabamento diz muito sobre a peça, sobre a maneira como ela é percebida. O nosso desenho tem um valor agregado muito alto, o fato de ter até mesmo a complexidade de formas muitas vezes e ter um conceito muito forte por traz, faz com que busquemos sempre um resultado 100%, até mais, mas não ficamos malucos se não chegamos nesse patamar. Claro que para extrair o resultado máximo, se não nos esforçarmos fora da zona de conforto, até levar a indústria para fora da zona de conforto, não evoluímos, afinal de contas o sucesso é um reflexo de um trabalho constante de anos e anos em busca da evolução.

EXPO REVESTIR: Futuro: o que esperar da produção e do alcance do Mula Preta? Quais os planos que estão engatilhados?

MULA PRETA: O último movimento que fizemos foi abrir a flagship em São Paulo e para isso tivemos que remodelar o nosso modelo de negócio. Antes apenas desenhávamos para as indústrias com propriedade intelectual e recebíamos royalties por isso. Atualmente, o nosso negócio funciona de uma forma diferente, temos uma flagship e a concentração dos produtos e a visualização da marca é maior que da indústria, e andamos em paralelo desenvolvendo esse trabalho de maneira muito sólida. De mais de noventa lojas que vendiam pontualmente nossos produtos, hoje temos quinze parceiros exclusivos com espaços Mula Preta no Brasil, e visamos chegar nos vinte, vinte e cinco nos próximos anos. De certa forma é um pedacinho do que a gente faz aqui reverberado em algumas principais capitais do Brasil e isso é muito importante para nós.

Acho que um passo futuro vai ser explorar o mercado externo, entender como seria a exportação, aprimorar mais o desenho, passar a conviver muito mais ativamente com a indústria, pensar no futuro de como seria isso, até se pudéssemos controlar um pouco dessa produção de maneira mais próxima. Entãom a médio prazo, seria ampliar nosso horizonte de visualização de marca, ampliar nosso portfólio. Já conseguimos um leque grande de produtos, mas ampliar um pouco mais, até pelo relacionamento mais estrito hoje, tendo loja com cliente final. Sabemos a necessidade disso.

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