[Designers do Brasil]: "Design é para sentir", diz Victor Vasconcelos
21/4/2022
Na estreia da série Designers do Brasil, entrevistamos Victor Vasconcelos (SP), que discorreu sobre referências e processo criativo
O designer paulistano Victor Vasconcelos desponta na cena nacional, com forte flerte internacional, ao criar peças para suas marcas Zeea e Eminência em Preto, além de desenhar para grandes grifes de mobiliário. No bate-papo com Expo Revestir, ele fala sobre sua trajetória, criações e influências
Por Simões Neto
Foi uma tarde de outono como há muito eu não vivia, depois de dois anos enfurnado em casa. Visitar o designer Victor Vasconcelos na loja Zeea, em São Paulo, o local onde suas criações reinam impávidas, me fez lembrar a época de repórter em que o mundo se apagava e os meus sentidos e curiosidade se voltavam unicamente para ouvir as histórias que me eram contadas.
Victor envolve: seja pela sua calma, seja pelas suas paixões personificadas em sofás, poltronas, luminárias e objetos que são apresentados no labirinto de surpresas que é sua loja em São Paulo. Em cada canto, uma revelação repleta de sentimentos, elegância e histórias.
Mas quem é Victor Vasconcelos? “Eu nasci e fui criado em São Paulo, tive uma infância muito tranquila ao lado da minha irmã (Larissa Vasconcelos), nos divertimos muito no nosso universo criado em muitos momentos dentro de casa, depois da escola. Hoje somos sócios e cultivamos um carinho e um amor muito grande um pelo outro. Na adolescência, as coisas se tornaram mais agitadas e eu um tanto quanto rebelde: era um jovem emo que gostava muito de sair”, adianta o designer, e continua:
“Meus pais nunca me prenderam, mas sempre deixaram claro que a liberdade era acompanhada de responsabilidades. Hoje aquela rebeldia ainda existe dentro demim, mas de uma forma diferente. Acredito que ela tenha de alguma maneira influenciado o meu eu criativo”, discorre.
Victor diz que não se encaixava nos padrões que eram esperados pela sociedade: “ia para a escola de coturno, sombra azul no olho e recebia incentivo dos meus pais para me expressar da forma que eu me sentia confortável com a minha essência”, detalha.
Formado em Design de Produto no Istituto Europeo di Design (IED), Victor revela que foi lá que descobriu o que fazia sentido pra sua carreira. “Foi incrível perceber como as coisas começaram a se encaixar com toda a bagagem que eu trazia. Desde então eu não parei. Hoje, transito por universos diferentes, mas mantenho a minha essência em tudo o que faço. Atualmente tenho a minha própria marca, a Eminência em Preto, mas desenho para a Breton, Marché Art de Vie e Zeea.
Em entrevista exclusiva para a Série Designers do Brasil, da Expo Revestir, Victor fala sobre suas grandes paixões: mãe, design, projetos e processo criativo.
EXPO REVESTIR: Soube de você por um amigo que comentou sobre um depoimento seu que ele ouviu em um evento: “quando eu era criança, a minha mãe me levava para ver as obras de arte no MASP e me perguntava: 'o que você está vendo?'. Eu relatava. Depois ela questionava: 'e o que você sente?'” Essa passagem procede? Qual o impacto dessas experiências em sua vida adulta?
Victor Vasconcelos: Eu considero esse momento com a minha mãe um ponto de virada que me fez perceber um mundo diferente daquele que a gente enxerga a olho nu. O que a gente sente é algo que também é muito importante e relevante para a arte e para a vida no geral. É possível observar as coisas através do sentir e não somente do ver.
EPRV: Então, design é sentir?
VV: No meu trabalho o design é sentir. São as emoções que eu coloco nas minhas peças. Tudo o que eu sinto, vejo e o que de alguma forma faz sentido pra mim, eu expresso nas minhas criações.
EPRV: Existe uma obra dedicada à sua mãe. Fale sobre ela!
VV: Minha mãe se chama Jo Vasconcelos, ela é estilista e deu aula no Instituto Europeu de Design por muitos anos. Ela é extremamente carinhosa e nunca me julgou. Pelo contrário, sempre tentou me entender, me incentivar a ser quem eu realmente era e sou e nunca quis que eu me ajustasse ao que eu não queria. Portanto, “ser desajustado” na minha família sempre foi visto como algo positivo. Às vezes, acredito que a gente tenha uma relação de outras vidas. Se eu não estou me sentindo bem, por exemplo, ela me liga, intuitivamente, mesmo sem saber. Eu gosto de falar que ela sempre foi a mãe perfeita pra alguém tão esquisito como eu. Estar com ela é como se fosse o meu paraíso pessoal, é aconchegante e, por isso, eu decidi criar o sofá J.O, pois ele representa exatamente as sensações que tenho quando estou com ela: aconchego, carinho e amor.
EPRV: Qual o propósito da Zeea, sua marca de móveis?
VV: O propósito da Zeea é transformar poesia e sentimentos em mobiliário. Nós trabalhamos com um design sensorial focado em ir além do visual. São peças que contam histórias, tem um enredo e andam de mãos dadas com a poesia, alinhavados pela altíssima qualidade. Eu acredito que tudo seja importante para que a essência da marca seja transmitida. Por isso, a arquitetura da loja, a trilha sonora que perpassa os ambientes e a consonância com as coleções apresentadas... tudo é pensado para fazer sentido.
EPRV: Suas obras são fluidas, orgânicas, bem estruturadas e todas compostas pelo conforto. Como é construir coleções aparentemente tão complexas?
VV: É sempre um grande desafio produzir peças que fujam um pouco da estética do mercado atual. Então, temos uma equipe empenhada em pensar fora da caixa. Acredito que isso motive todos os envolvidos no processo de criação, tanto o time que trabalha na loja quanto o que trabalha na fábrica.
EPRV: Em que momento do dia você está mais propício a criar?
VV: A madrugada é o momento em que me vejo mais conectado à minha essência. Quando eu crio, eu percebo que é como se não fosse 100% eu ali, acabo sempre influenciado pelo que estou vendo, ouvindo, sentindo…
EPRV: A inspiração vem de onde?
VV: A inspiração vem muito do que vivo. É importante que eu me perceba e esteja atento ao que vejo, sinto, ouço. As pessoas que me cercam também acabam trazendo experiências de vida. Então, minhas criações vêm de experiências e vivências reais.
EPRV: Sofás, poltronas, objetos, mesas... O que falta você criar e o que dá mais prazer em desenhar?
VV: O que mais gosto de criar são sofás e poltronas, é incrível ver peças que estavam apenas na minha cabeça ganharem forma. Falta eu desenhar uma estante e alguns outros objetos que estão se fomentando na minha cabeça.
EPRV: Tecidos, acabamentos, costuras e uma infinidade de detalhes. O que não pode faltar em uma peça assinada por Victor Vasconcelos?
VV: O que não pode faltar sem dúvidas é um sentimento. Todas as minhas peças possuem enredo, poesia e história: isso é fundamental.
EPRV: Existe algum desenho que você fez, mas não conseguiu executar por alguma dificuldade técnica? Desistiu dele ou só está esperando o momento certo para retomar?
VV: Sim, eu desenhei algumas peças de madeira há um ano e meio e tive dificuldade para encontrar um fornecedor que trabalhasse com madeira de formatão orgânica. Mas ainda não desisti, pois gosto desse desafio de realizar algonovo.
EPRV: Eminência em Preto é um projeto seu que traduz um pouco do seu vasto repertório. Do que se trata esse projeto?
VV: Eu brinco que a Eminência em Preto é a minha sessão de terapia. É uma marca que representa o meu alter ego. Então é basicamente o meu lado luz e o meu lado sombra. Acredito que todo mundo tem os dois lados. Eu consigo colocar no design das peças o que se passa na minha cabeça e as coisas que se passam na minha vida.
EPRV: Você desenha para a sua própria loja e para outras marcas. Qual a diferença de desenhar para perfis e propósitos diferentes? Por favor, cite algumas peças e marcas para as quais já desenhou!
VV: Eu gosto muito de transitar em universos diferentes e mesmo assim conseguir colocar a minha essência em todos eles. Na Breton eu lancei recentemente a poltrona Athos, a releitura de uma peça que eu tinha em casa quando era criança. Eu aprendi a ler sentado nela. Mesmo passando por marcas diferentes, eu sempre acabo levando história e poesia para as peças. Talvez seja isso que esteja fazendo com que as pessoas observem o meu trabalho. Outra criação que gosto muito são os Pills: frascos que desenhei para a Eminência em Preto com várias palavras de sentimentos que faziam, ou ainda fazem, sentido pra mim. Na Zeea é o sofá J.O. Acredito que essa peça traz toda a bagagem que conduzo comigo de carinho, amor e respeito pela minha mãe e pela minha família.
EPRV: O que você tem vontade de criar que ainda não fez?
VV: Ainda não fiz um carrinho-bar, talvez porque não bebo com muita frequência, mas talvez seja um desafio instigante conseguir criar uma peça como essa.
Entrevista escrita com a trilha sonora de Delibes: Lakmé, Act 1:Duo des Fleurs, com Sabine Devieilhe e Marianne Crebassa.